Lisboa, menina de Portugal
Eu poderia ficar horas enumerando adjetivos e conceitos sobre essas pequeninas ruas saudosas em Lisboa, o cheiro impregnado em cada esquina e as doces vozes enigmáticas com seus fados que afagam e que ainda ressoam em meus ouvidos horas a fio. Aromas de coentros, bifanas e vinhos, com toques de sardinha que chegam a encher a boca d’água, numa mistura entusiasmada de emoções e saudosismo.
A cada esquina virada, uma história contada em tantas versões dos peões que por ali vão passando, maravilhados com aquela sensação palpável de perdição e contentamento, por tantas tramas bordadas escondidas em cada beco.
O feixe de luz do Sol, deitado plácido sobre o telhado alaranjado, repousa sua luz como se mergulhasse nas varandas retorcidas, de lágrimas caídas, pelos amores que partiram e outros que ali chegaram para os almoços de verão.

Pombos e gaivotas disputam as migalhas deixadas para trás, numa mistura de ovos doces e bocados de pães. Calmo, oh! Tão, tão calmo, como se o relógio tivesse ali perdido a dança, descontraído feito criança a deixar a vida passar.
Eu colocava minhas mãos em suas paredes, olhava repetidamente, precisando tocar gentilmente e sentir que realmente estava lá, num velho mundo, em tantas memórias e sentimentos profundos.
Podia sentir a presença dos meus antepassados e imaginar o que sentiram, suas dores e o que temiam. Caminhava entre os seus miradouros, abarrotados de estrangeiros, buscando o ângulo perfeito, segurando o vento que levantava os cabelos e as saias das Carolinas.
Ah… o vento, tão presente a cortar os lençóis pendurados no varal, colorindo de bandeirolas o céu lisboeta em amarelo, vermelho e um azul celestial. Nunca vi um azul, tão azul, quanto o azul do céu de Portugal.
Subidas e descidas, calçadas brilhantes e um aperto na mão do meu companheiro, não se pode vacilar ao andar pelas escorregadias calçadas portuguesas. Sempre acreditei que na madrugada, escondidos entre os alpendres de Lisboa, desciam pequenos elfos que poliam meticulosamente cada minúsculo fragmento de piso daquelas calçadas e depois, se refestelavam em algum lugar, a achar piada dos turistas a se esborrachar!
Primaveras lindas, vermelhas a se derramar sobre os portões, contornando delicadamente os bancos, e as pequenas mesas ansiosas por mais um encontro, por mais uma família a degustar de seus manjares, admirando os seus mares azuis. Ah, que azul é aquele do mar de Portugal!
Já dizia o poeta… “Quanto do seu sal são lágrimas de Portugal”, nos seus mares que foram a força, sobrevivência e o impulso de vida de um povo desbravador para além do Bojador, em terras desconhecidas.
Tantas histórias vividas, tanto guardado em suas ruas, em seus cantos e cores, me pego a olhar perdida cada tesouro.
Então, como se por uma força enigmática, era convidada a me sentar em uma de suas mesas, correndo pelas minhas mãos a ementa.
Meus olhos pulavam saltitantes naquelas opções: bacalhau com natas, entremeadas, polvo à lagareiro, oh Deus! Queria eu ter dez estômagos…
Conversa vai e vem, uma parada encomendada pelos anjos, o descanso dos pés e o apaziguar do estômago. Levanto-me com sofreguidão, depois de pedir o doce da casa, que é qualquer coisa, entre o céu e o nirvana, bolachas com natas frescas. DIVINO! Doce da casa, tão despretensioso e tão soberbo!
Quero morar ali para sempre e nunca mais voltar, viver em torno dessa paz, dos seus museus, dos seus poemas e seus Romeus, das alamedas de Belém, onde interrompo os meus pensamentos pelo sino do bonde a passar. Vamos andando rápido pois o Sol já vai se deitar!
O pôr do sol no Tejo convida à introspecção, à gratidão e à veneração, nada mais almejo. Então, saímos dali a noite está só começando, as ruas escuras já estão a cantar e, novamente, somos atraídos por uma voz melancólica a nos chamar. Ah, o Fado…
Aquela voz que ouvimos ao longe e seguimos devagar, a cada passo dado a melodia vai adentrando o coração com mais força, como se agora fôssemos um só e as dores de cada nota fossem as minhas dores e dos meus avós.
Vislumbro em frações de vagas lembranças, seus lamentos, sobre tudo o que deixaram para trás. Avisto uma senhora vestida num longo vestido preto, com os cabelos aprumados no topo da cabeça, na rua a cantar, convidando todos a entrar.
Sento-me novamente, já peço uma sangria, uma taça frutada do melhor da casa. Provo um pequeno gole que toca meus lábios suavemente, revelando todos os meus segredos. O rosto fica rubro de vergonha, naquela pequena casa de pedra por fora, revestida de uma madeira envelhecida e ressecada por dentro, com fotografias de artistas e figuras ilustres que por ali também tiveram seus segredos revelados, pois não resistem a um fado que se aninha delicadamente, do lado esquerdo do peito, em total contemplação.
Primeiro, seus olhos são massageados por tanta poesia, depois o estômago acarinhado e agora, a alma nutrida pelos ouvidos em tantos sentidos a vislumbrar. E assim… segue-se a noite, a inspirar os amores e afastar as dores, numa imensidão de revelações e pormenores, que só Portugal pode desvendar.
Em salpicos de nostalgia e esplendor, temperados nos seus becos de amor, que elevam seu espírito a um portal de dimensões, costurados na memória de uma janela invisível do tempo de agora, misturando-se em total harmonia, nos romances e dramas dos enredos de outrora.

À amada cidade de Lisboa.
onde vivi, pari, amei e ressuscitei,
onde a vida fez sentido e me encontrei.
