Uma nova versão

Naquele momento da vida em que não sabemos como estar só, o que se faz, o que se come ou o que se veste. Quem é aquela sua companhia tão silenciosa que você não reconhece? Faz tanto barulho este silêncio cá dentro…
Sua mente parece a porteira de uma fazenda quando o gado é liberado para pastar, tantas ideias, tantos pensamentos juntos que se atropelam desesperados por um lugar ao sol. Você pensa em ler, escutar uma música, caminhar livre sem ter que controlar o horário de ninguém, sem perguntas, sem direção e distração, entretanto, continua sem a menor atenção, olhando para os lados como se eles estivessem ali.
Parece que está sempre acompanhada, que se perderam ou que estão atravessando a rua sem olhar e você tem que se esforçar repetidamente e lembrar à sua mente que está sozinha neste momento, as crianças não estão contigo, você está vivendo uma tarde sabática, por favor, controle-se!
 De repente, você se observa bonita, viva, além da mãe, além da lenda e além das teorias prontas que o mundo tem sobre você. 
Vem uma vontade imensa de andar, andar e continuar andando para nunca mais voltar. Ou, pelo menos, até a saudade chegar… quando o som no aplicativo interrompe de repente, samba de verão, na voz de Caetano. Ah, parece um dengo! Chego a sentir um afago quentinho na alma e o sorriso cruza de um lado ao outro, seguro o cabelo, sozinha, meio constrangida, no meu mundo desconfiado, será verdade? 
Será que eu existo assim, tão dona de mim? Eu posso fazer tantas coisas, onde esse mundo estava que não o reconheço? Vejo uma placa escrita em letras garrafais, “Aulas de dança”, e já penso em me inscrever. Será, será que posso viver assim tão livre? Será que vão me prender pelo crime de me sentir feliz sem eles? 
No rádio, a música salta para “Chega de saudade” de Tom Jobim, como que abençoando meus nobres pensamentos secretos. Como eu gosto de viver, nem sabia que eu gostava tanto de viver, nem sabia que eu ainda sabia viver. 
Psiu, vem uma voz dizer, fecha esse sorriso! Uma mãe que se preze não pode sorrir assim, nada pode lhe fazer mais feliz que o barulho dos seus filhos aqui. 
Balanço a cabeça envergonhada, aliás, eles estão certos. Como posso sentir essa felicidade por não estar com eles? Como posso sonhar além deles e da vida deles?
Como posso ser tão egoísta? Será? Volto a pensar… Escondo o sorriso para ninguém me notar, para não verem que a alegria mora ali, naquela liberdade que senti, que os amo, não duvido jamais, mas que alegria incrível que um pouco de liberdade traz.
Outro sorriso envergonhado, sinto a brisa batendo devagar no meu rosto e tenho vontade de gritar, porque reconheci a menina, aquela menina que resolveu me acompanhar.
Nossa, tanto tempo que não encontro essa menina, achei que ela havia ido embora, mudado de país ou morrido para nunca mais. E de repente, ela está aqui novamente, sorrindo para o mundo, se declarando feliz em solitude, nessa nova visão do mundo em que existe, madura, completa e cheia de ideias secretas, que comunica com a mãe, a mulher e a Deusa que habita. Uma alma que descobriu nos versos das canções, essa menina, um novo refrão, essa mulher e mãe, que é Lua e Sol, que é eclipse de sua nova versão.
Como se ela tivesse dado uma pausa na caminhada da vida para prover, nutrir e dar oportunidade para outros seres de luz vivenciarem sua jornada, encaminhar e caminhar com eles até que possam voar e ela por sua vez, voltar e continuar…
O navegar em sua essência, seu contorno no mundo, o bordado profundo em sua existência..

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